segunda-feira, 19 de dezembro de 2011

A CARTA À IGREJA DE PÉRGAMO - Ap 2.12-17


FONTE: Mais Que Vencedores - William Hendriksen

Esta cidade estava localizada sobre uma grande montanha de rocha tendo aos seus pés um grande vale circunvizinho. Os romanos a fizeram capital da província da Ásia. Aí, Esculápio, o deus da cura, era cultuado sob o emblema da serpente que, para os cristãos, era o próprio símbolo de Satanás. Nessa cidade se encontrava, entre os muitos altares pagãos, o grande altar de Zeus.[1] Todas essas coisas deveriam estar na cabeça de Cristo quando ele chamou Pérgamo de o lugar "onde está o trono de Satanás". Entretanto, parece-nos que o propósito óbvio do au­tor é dirigir nossa atenção para o fato de que Pérgamo era a capital da província e, como tal, centro do culto ao imperador.
Ali o governador era louvado, e ali os templos pagãos eram dedicados ao culto de César. Ali era exigido dos crentes que oferecessem incenso à imagem dos imperadores e que dissessem "César é Senhor". Aí Satanás tinha seu trono; ali ele reinava livremente. "Estas coisas diz aquele que tem a espada afiada de dois gumes." De novo, a autodesignação está em harmonia com o tom geral da carta. Aqui se diz que Cristo tem a espada de dois gumes porque ele fará guerra contra os nicolaítas, a menos que se arrependam (v. 16).
A despeito, porém, do fato de que o trono de Satanás esti­vesse localizado ali, e do fato de que ali Antipas tivesse mandado matar os crentes que se recusaram ser infiéis ao Senhor, os cren­tes de Pérgamo ainda se atinham tenazmente à sua confissão, ao seu Cristo.
Eles, entretanto, cometeram um grande erro, provavel­mente devido ao fato de terem enfatizado sua salvação indi­vidual à custa do dever cristão de se preocupar com o bem-estar da Igreja como um todo: eles negligenciaram a disci­plina.[2] Alguns dos membros da Igreja haviam atendido a festivais pagãos e haviam, com toda probabilidade, até mes­mo participado das imoralidade que caracterizavam essas festas. Semelhantes práticas haviam ocorrido entre os filhos de Israel nos dias de Balaão (Nm 25.1,2; 31.16). Como Israel, também, Pérgamo teve seus nicolaítas. Não devemos fazer pouco dessa tentação. Recusar-se a comer carnes sacrificadas aos ídolos e, especialmente, recusar-se a freqüentar essas festas significava retirar-se de grande parte de toda a vida social daquele tempo pela razão de que o comércio tinha como patronos as deidades que deveriam ser cultuadas nessas fes­tas. A recusa em participar dessas festas geralmente signifi­cava que um homem perderia seu emprego, seu comércio; ele seria considerado um excluído.[3] Assim, algumas pessoascomeçaram a argumentar que, afinal, alguém poderia freqüen­tar tais festivais e partilhar das carnes oferecidas aos ídolos, e, talvez, oferecer incenso aos ídolos pagãos, desde que man­tivesse sempre em mente - um tipo de reserva mental - que um ídolo nada significa! Outros levavam essa linha de ra­ciocínio ainda mais longe e diziam: "Como pode alguém condenar e vencer Satanás a menos que o conheça plena­mente?"
A Igreja de Pérgamo não estava totalmente cônscia dos perigos de sua atitude comprometedora, essa meia-aliança com o mundo. Ela deveria ter disciplinado seus membros faltosos. Se falha em fazê-lo, Cristo irá à guerra contra ela com a espada de sua boca. Não cremos que isso se refira tão-somente a uma condenação verbal. A condenação verbal está contida nessa carta. Antes, significa destruição: Cristo irá destruir aqueles que persistem em suas práticas mundanas - Ele levará a cabo sua sentença de condenação.
O vencedor, por outro lado, receberá "do maná escondi­do", isto é, Cristo em toda a sua plenitude (Jo 6.33,35), escon­dido do mundo, mas revelado aos crentes já aqui na terra e, especialmente, no porvir. Noutras palavras, esses vencedores que dominaram a tentação de participar dos festivais pagãos e de comer carne sacrificada aos ídolos, serão alimentados do próprio Senhor; a graça de Cristo e todos os seus gloriosos frutos serão sua comida, invisível, espiritual, e escondida, certamente, mas, no entanto, muito real e muito abençoada. Eles recebem o pão do céu.[4]
"...Bem como darei uma pedrinha branca e sobre essa pe­drinha escrito um nome novo, o qual ninguém conhece, exceto aquele que o recebe." Os comentaristas estão grandemente di­vididos em suas opiniões com respeito ao significado dessas palavras. Depois de extenso estudo, chegamos à conclusão que só há duas interpretações que merecem considerações sérias. Todas as outras são objetáveis logo de princípio.[5]
Cada uma das duas teorias restantes tem tanto mais a seu favor que nos tem sido impossível tomar uma decisão definitiva. Portanto, colocaremos aqui as teorias e os argumentos que as suportam, e dei­xaremos para o leitor a escolha, ou permanecer indeciso.
Conforme a primeira interpretação, a pedra representa a pessoa que a recebe, tal como em Israel as doze tribos eram representadas por doze pedras preciosas no peitoral do sumo sacerdote (Êx. 28.15-21). Agora essa pedra é branca. Isso indica santidade, beleza, glória (Ap 3.4; 6.2). A própria pedra simboli­za durabilidade, imperecibilidade. A pedra branca, portanto, indica um ser livre de culpa e purificado de seu pecado, que permanece nesse estado para sempre. O novo nome inscrito na pedra indica a pessoa que a recebe. Expressa o caráter interior real da pessoa; sua personalidade individual, distinta. Cada um dos abençoados deve ter uma consciência particular e singular dessa personalidade: um conhecimento dado a ninguém mais senão àquele que o recebe.[6]
Os seguintes argumentos podem ser apresentados em fa­vor dessa teoria:
a. As palavras "o qual ninguém conhece, exceto aquele que o recebe", deve significar "o qual ninguém conhece senão aquele que recebe o nome", não a pedra. O próprio crente recebe esse nome e este deve ser seu novo nome. Isso está em completa harmonia com Apocalipse 19.12, onde lemos isto com respeito a Cristo: "tem um nome escrito que ninguém conhece senão ele mesmo". O nome, então, indica a pessoa que o recebe.
b. Se esse nome indicasse o nome de Deus ou de Cristo, isso teria sido declarado como em outros casos (por exemplo: 3.12; 14.1; 22.4).
c. Essa explicação se baseia na firme fundação de passa­gens paralelas do Antigo Testamento, como, por exemplo:
"...e serás chamada por um nome novo que a boca do Senhor designará" (Is 62.2).
"...e a seus servos chamará por outro nome" (Is 65.15).
d. Conforme a Escritura, o nome indica o caráter ou a posi­ção do portador. Nessa base, muito freqüentemente, a pessoa cujo caráter é mudado recebe um novo nome que corresponde a ele. Na glória, nós receberemos uma nova santidade, uma nova visão, etc. Portanto, receberemos um novo nome.
De acordo com a segunda interpretação, a pedra preciosa translúcida - um diamante? - tem inscrito o nome de Cristo. Receber a pedra com o novo nome significa que a glória do vencedor recebe a revelação da doce comunhão com Cristo -em seu novo caráter, como Mediador coroado - uma comunhão que só quem a recebe pode apreciar.[7]
Em favor dessa explicação, os seguintes argumentos são oferecidos:
a. Em todas as outras passagens do Apocalipse, sem qual­quer exceção, o novo nome se refere a Deus ou a Cristo. Esse nome é dito como estando escrito na fronte dos crentes (3.12; 14.1; 22.4).
b. O ponto de vista de que esse nome se refere a Cristo é apoiado tanto pelo contexto precedente quanto pelo posterior: o maná escondido se refere ao que Cristo é para o crente; sobre­tudo, nesta mesma série de cartas encontramos uma passagem paralela (3.12) em que o nome, embora escrito no crente, é de­finido como pertencente a Cristo.
c. Assumir que a expressão "o qual ninguém conhece, exceto aquele que o recebe" significa "aquele que recebe o nome", não prova que o nome seja a nova designação do pró­prio crente. Pode-se tanto dizer que o crente recebe o nome de Cristo quanto dizer que o nome de Cristo é inscrito na sua (do crente) fronte. É interessante observar, quanto a isso, que os não-crentes recebem, do diabo, a imitação do novo nome. Deles se diz que "receberam a marca na fronte e na mão" (Ap 20.4) tal como os crentes recebem o nome de Cristo na fronte (14.1). Essa "marca", porém, indica "outro", isto é, a besta. Essa é a marca da besta que os não-crentes recebem. Semelhantemente, na linguagem presente (2.17) os crentes recebem o nome de Cristo, isto é, seu nome é escrito na fronte no mesmo sentido que em d.
d. Essa idéia está em harmonia com o simbolismo do Antigo Testamento, o qual está embutido nas diversas passagens do Apocalipse. Na fronte do sumo sacerdote - para ser exato, na frente da mitra - estava escrito um nome. Não era o nome do sumo sacerdote, mas de Jeová. Esse nome designava o sumo sacerdote como servo consagrado de Jeová, como pertencente a Ele. Assim lemos: "Farás também uma lâmina de ouro puro, e nela gravarás à maneira de gravuras de sinetes: Santidade ao Senhor. Atá-la-ás com um cordão de estofo azul, de maneira que esteja na mitra; bem na frente da mitra estará. E estará so­bre a testa de Arão..." (Êx 28.36ss.).
O significado, então, é como se segue. Assim como na an­tiga dispensação o nome de Jeová estava escrito na fronte do sumo sacerdote para indicar que ele era especialmente consa­grado como servo de Jeová, assim os crentes - freqüentemente chamados sacerdotes no Apocalipse - terão um novo nome es­crito na fronte, a saber, o nome de Cristo, seu novo nome. Esse nome não é escrito sobre uma placa de ouro puro, mas, ainda melhor, sobre uma translúcida pedra preciosa. Isso indica que o vencedor pertence a Cristo, é seu servo, se regozija em sua co­munhão, na sua nova glória e domínio. Sobretudo, assim como na antiga dispensação só o sumo sacerdote havia recebido os segredos quanto ao nome de Jeová e só ele sabia como pronunciá-lo, assim na nova dispensação só o crente sabe o significado abençoado do nome do Senhor Jesus Cristo. Eles -e só eles - sabem o significado na comunhão com ele. Em prin­cípio, eles já sabem isso aqui sobre a terra; mas uma revelação a mais sobre o significado desse nome lhes está reservada nos céus onde, para sempre, aqueles que foram selados na fronte com o selo do Deus vivo serão designados como o próprio Cristo. Eles recebem seu nome, isto é, seu novo nome na fronte.
Não exageremos a diferença entre esses dois pontos de vista. Na primeira interpretação, o crente recebe um novo nome, isto é, uma nova relação com o seu Salvador, revelada num glorioso caráter transformado. Na segunda interpretação, Cristo revela seu novo nome ao crente, especialmente no porvir. Deveríamos perguntar, portanto: "o novo nome de Cristo - que ele certa­mente recebeu - não implica o novo nome do crente - que, de novo, ele certamente receberá?"


[1]W. M. Ramsay. op. cit., pp. 281-290.
[2]Ver W. Milligan, op.cit., p. 846.
[3]Ver p. 102s.
[4]Ver W. Milligan, op. cit.,p. 846.
[5]As seguintes interpretações estão entre as que não podemos aceitar:
a. Que a pedra branca do Apocalipse é uma tessela usada como tíquete de admissão na festa do Grande Rei. Ver E. H. Plumptre, op. cit., pp. 127ss. para ver uma hábil defesa dessa idéia, Uma excelente refutação dessa teoria é encontrada num artigo de M. Stuart, "The White Stone of the Apocalypse", em Bibliotheca Sacra, O, pp. 461-477.
b. M. Stuart, no artigo mencionado, refuta igualmente o ponto de vista de que a pedra branca representa a pedra de absolvição usada em cortes de justiça.
c. Que a pedra branca com o nome inscrito se refere ao Urim e Tumim do Antigo Testamento. Isso é habilmente argumentado por R. C. Trench, op. cit, pp. 132ss. e A. Plummer (op. cit., p. 62) julga-a uma idéia muito atraente. Mas ela não pode estar correta. O argumento de Plumptre (op. cit., pp. 126ss.) contra essa teoria é decisivo.
d. R. H. Charles, Revelation (International Critical Commentary), pp. 66ss., ar­gumenta que a verdadeira fonte do símbolo se encontra na esfera da superstição popular. Isso nem precisa de resposta. Uma diversidade de outras explicações pode ser encontrada no The Speaker's Commentary; art. "Stones" no Dictionary of the Bible, de Smith, e em outros lugares.
[6]Esse ponto de vista (o mais popular deles), é defendido, com variações, por J. P. Lange, op. cit., p. 120, que, entretanto, vê a pedra branca como indicando absolvi­ção; por R. C. H. Lenski, op. cit., p. 113, e muitos outros.
26. W. M. Ramsay, op. cit., pp. 316-326.
[7]Para uma defesa dessa interpretação, ver M. Stuart, "The White Stone of the Apocalypse", Bibliotheca Sacra, O, op. cit., pp. 461-477.

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