FONTE: Mais Que Vencedores - William Hendriksen
Esta cidade estava localizada
sobre uma grande montanha de rocha tendo aos seus pés um grande vale
circunvizinho. Os romanos a fizeram capital da província da Ásia. Aí,
Esculápio, o deus da cura, era cultuado sob o emblema da serpente que, para os
cristãos, era o próprio símbolo de Satanás. Nessa cidade se encontrava, entre
os muitos altares pagãos, o grande altar de Zeus.[1]
Todas essas coisas deveriam estar na cabeça de Cristo quando ele chamou Pérgamo
de o lugar "onde está o trono de Satanás". Entretanto,
parece-nos que o propósito óbvio do
autor é dirigir nossa atenção para o fato de que Pérgamo era a capital da
província e, como tal, centro do culto ao imperador.
Ali o governador era louvado, e
ali os templos pagãos eram dedicados ao culto de César. Ali era exigido dos crentes
que oferecessem incenso à imagem dos imperadores e que dissessem "César é
Senhor". Aí Satanás tinha seu trono; ali ele reinava livremente.
"Estas coisas diz aquele que tem a espada afiada de dois gumes." De
novo, a autodesignação está em harmonia com o tom geral da carta. Aqui se diz
que Cristo tem a espada de dois gumes porque ele fará guerra contra os
nicolaítas, a menos que se arrependam (v. 16).
A despeito, porém, do fato de que
o trono de Satanás estivesse localizado ali, e do fato de que ali Antipas
tivesse mandado matar os crentes que se recusaram ser infiéis ao Senhor, os
crentes de Pérgamo ainda se atinham tenazmente à sua confissão, ao seu Cristo.
Eles, entretanto, cometeram um
grande erro, provavelmente devido ao fato de terem enfatizado sua salvação
individual à custa do dever cristão de se preocupar com o
bem-estar da Igreja como um todo:
eles negligenciaram a disciplina.[2]
Alguns dos membros da Igreja haviam atendido a festivais pagãos e haviam, com
toda probabilidade, até mesmo participado das imoralidade que caracterizavam
essas festas. Semelhantes práticas haviam ocorrido entre os filhos de Israel
nos dias de Balaão (Nm 25.1,2; 31.16). Como Israel, também, Pérgamo teve seus nicolaítas.
Não devemos fazer pouco dessa tentação. Recusar-se a comer carnes sacrificadas aos ídolos e,
especialmente, recusar-se a freqüentar essas festas significava
retirar-se de grande parte de toda a
vida social daquele tempo pela razão de que o comércio tinha como patronos as
deidades que deveriam ser cultuadas nessas festas. A recusa em participar
dessas festas geralmente significava que um homem perderia seu emprego, seu
comércio; ele seria considerado um excluído.[3]
Assim, algumas pessoascomeçaram a argumentar que, afinal, alguém poderia
freqüentar tais festivais e partilhar das carnes oferecidas aos ídolos, e,
talvez, oferecer incenso aos ídolos pagãos, desde que mantivesse sempre
em mente - um tipo de reserva mental - que um ídolo nada significa! Outros
levavam essa linha de raciocínio ainda mais longe e diziam: "Como pode
alguém condenar e vencer Satanás a menos que o conheça plenamente?"
A Igreja
de Pérgamo não estava totalmente cônscia dos perigos de sua atitude
comprometedora, essa meia-aliança com o mundo. Ela deveria ter disciplinado
seus membros faltosos. Se falha em fazê-lo, Cristo irá à guerra contra ela com
a espada de sua boca. Não cremos que isso se refira tão-somente a uma
condenação verbal. A condenação verbal está contida nessa carta. Antes,
significa destruição: Cristo irá destruir aqueles que persistem em suas
práticas mundanas - Ele levará a cabo sua sentença de condenação.
O
vencedor, por outro lado, receberá "do maná escondido", isto é,
Cristo em toda a sua plenitude (Jo 6.33,35), escondido do mundo, mas revelado
aos crentes já aqui na terra e, especialmente, no porvir. Noutras palavras,
esses vencedores que dominaram a tentação de participar dos festivais
pagãos e
de comer carne sacrificada aos ídolos, serão alimentados do próprio Senhor; a
graça de Cristo e todos os seus gloriosos frutos serão sua comida, invisível,
espiritual, e escondida, certamente, mas, no entanto, muito real e muito
abençoada. Eles recebem o pão do céu.[4]
"...Bem
como darei uma pedrinha branca e sobre essa
pedrinha
escrito um nome novo, o qual ninguém conhece, exceto aquele que o recebe."
Os comentaristas estão grandemente divididos em suas opiniões com respeito ao
significado dessas palavras. Depois de extenso estudo, chegamos à conclusão que
só há duas interpretações que merecem considerações sérias. Todas as outras são
objetáveis logo de princípio.[5]
Cada uma
das duas teorias restantes tem tanto mais a seu favor que nos tem sido
impossível tomar uma decisão definitiva. Portanto, colocaremos aqui as teorias
e os argumentos que as suportam, e deixaremos para o leitor a escolha, ou
permanecer indeciso.
Conforme a
primeira interpretação, a pedra representa a pessoa que a recebe, tal como em
Israel as doze tribos eram representadas por doze pedras preciosas no peitoral
do sumo sacerdote (Êx. 28.15-21). Agora essa pedra é branca. Isso indica
santidade, beleza, glória (Ap 3.4; 6.2). A própria pedra simboliza
durabilidade, imperecibilidade. A pedra branca, portanto, indica um ser livre
de culpa e purificado de seu pecado, que permanece nesse estado para sempre. O
novo nome inscrito na pedra indica a pessoa que a recebe. Expressa o caráter
interior real da pessoa; sua personalidade individual, distinta. Cada um dos
abençoados deve ter uma consciência particular e singular dessa personalidade:
um conhecimento dado a ninguém mais senão àquele que o recebe.[6]
Os
seguintes argumentos podem ser apresentados em favor dessa teoria:
a. As palavras "o qual
ninguém conhece, exceto aquele que o recebe", deve significar "o qual
ninguém conhece senão aquele que recebe o nome", não a pedra. O próprio
crente recebe esse nome e este deve ser seu novo nome. Isso está em completa
harmonia com Apocalipse 19.12, onde lemos isto com respeito a Cristo: "tem
um nome escrito que ninguém conhece senão ele mesmo". O nome, então, indica
a pessoa que o recebe.
b. Se esse nome indicasse o nome
de Deus ou de Cristo, isso teria sido declarado como em outros casos (por
exemplo: 3.12; 14.1; 22.4).
c. Essa explicação se baseia na
firme fundação de passagens paralelas do Antigo Testamento, como, por exemplo:
"...e
serás chamada por um nome novo que a boca do Senhor designará"
(Is 62.2).
"...e
a seus servos chamará por outro nome"
(Is
65.15).
d. Conforme a Escritura, o nome
indica o caráter ou a posição do portador. Nessa base, muito freqüentemente, a
pessoa cujo caráter é mudado recebe um novo nome que corresponde a ele. Na
glória, nós receberemos uma nova santidade, uma nova visão, etc. Portanto,
receberemos um novo nome.
De acordo
com a segunda interpretação, a pedra preciosa translúcida - um diamante? - tem
inscrito o nome de Cristo. Receber a pedra com o novo nome significa que a glória
do vencedor recebe a revelação da doce comunhão com Cristo -em seu novo
caráter, como Mediador coroado - uma comunhão que só quem a recebe pode
apreciar.[7]
Em favor
dessa explicação, os seguintes argumentos são oferecidos:
a. Em todas as outras passagens
do Apocalipse, sem qualquer exceção, o novo nome se refere a Deus ou a Cristo.
Esse nome é dito como estando escrito na fronte dos crentes (3.12; 14.1; 22.4).
b. O ponto de vista de que esse
nome se refere a Cristo é apoiado tanto pelo contexto precedente quanto pelo
posterior: o maná escondido se refere ao que Cristo é para o crente; sobretudo,
nesta mesma série de cartas encontramos uma passagem paralela (3.12) em que o
nome, embora escrito no crente, é definido como pertencente a Cristo.
c. Assumir que a expressão
"o qual ninguém conhece, exceto aquele que o recebe" significa
"aquele que recebe o nome", não prova que o nome seja a nova
designação do próprio crente. Pode-se tanto dizer que o crente recebe o nome
de Cristo quanto dizer que o nome de Cristo é inscrito na sua (do crente)
fronte. É interessante observar, quanto a isso, que os não-crentes recebem, do
diabo, a imitação do novo nome. Deles se diz que "receberam a marca na
fronte e na mão" (Ap 20.4) tal como os crentes recebem o nome de Cristo na
fronte (14.1). Essa "marca", porém, indica "outro", isto é,
a besta. Essa é a marca da besta que os não-crentes recebem. Semelhantemente,
na linguagem presente (2.17) os crentes recebem o nome de Cristo, isto é, seu
nome é escrito na fronte no mesmo sentido que em d.
d. Essa idéia está em harmonia
com o simbolismo do Antigo Testamento, o qual está embutido nas
diversas passagens do Apocalipse. Na fronte do sumo sacerdote - para ser exato,
na frente da mitra - estava escrito um nome. Não
era o nome do sumo sacerdote, mas de Jeová. Esse nome designava o sumo
sacerdote como servo consagrado de Jeová, como pertencente a Ele. Assim lemos:
"Farás
também uma lâmina de ouro puro, e nela gravarás à maneira de gravuras de
sinetes:
Santidade ao Senhor. Atá-la-ás com um cordão de estofo azul,
de maneira que esteja na mitra; bem na frente da
mitra
estará. E estará sobre a testa de Arão..." (Êx 28.36ss.).
O
significado, então, é como se segue. Assim como na antiga dispensação o nome
de Jeová estava escrito na fronte do sumo sacerdote para indicar que ele era
especialmente consagrado como servo de Jeová, assim os crentes -
freqüentemente chamados sacerdotes no Apocalipse - terão um novo nome escrito
na fronte, a saber, o nome de Cristo, seu novo nome. Esse nome não é escrito
sobre uma placa de ouro puro, mas, ainda melhor, sobre uma translúcida pedra
preciosa. Isso indica que o vencedor pertence a Cristo, é seu servo, se
regozija em sua comunhão, na sua nova glória e domínio. Sobretudo, assim como
na antiga dispensação só o sumo sacerdote havia recebido os segredos quanto ao
nome de Jeová e só ele sabia como pronunciá-lo, assim na nova dispensação só o
crente sabe o significado abençoado do nome do Senhor Jesus Cristo. Eles -e só
eles - sabem o significado na comunhão com ele. Em princípio, eles já sabem
isso aqui sobre a terra; mas uma revelação a mais sobre o significado desse
nome lhes está reservada nos céus onde, para sempre, aqueles que foram selados
na fronte com o selo do Deus vivo serão designados como o próprio Cristo. Eles
recebem seu nome, isto é, seu novo nome na fronte.
Não
exageremos a diferença entre esses dois pontos de vista. Na primeira
interpretação, o crente recebe um novo nome, isto é, uma nova relação com o seu
Salvador, revelada num glorioso caráter transformado. Na segunda interpretação,
Cristo revela seu novo nome ao crente, especialmente no porvir. Deveríamos
perguntar, portanto: "o novo nome de Cristo - que ele certamente recebeu
- não implica o novo nome do crente - que, de novo, ele certamente
receberá?"
[3]Ver
p. 102s.
[5]As seguintes interpretações
estão entre as que não podemos aceitar:
a. Que a pedra branca do Apocalipse é uma tessela usada
como tíquete de admissão na festa do Grande Rei. Ver E. H.
Plumptre, op.
cit., pp.
127ss. para ver uma hábil defesa dessa idéia, Uma excelente
refutação
dessa teoria é encontrada num artigo de M. Stuart, "The White Stone of the
Apocalypse", em Bibliotheca Sacra, O, pp. 461-477.
b. M.
Stuart, no artigo mencionado,
refuta igualmente o ponto de vista de que a pedra branca representa a pedra de
absolvição usada em cortes de justiça.
c.
Que a pedra branca com o nome
inscrito se refere ao Urim e Tumim do Antigo Testamento. Isso é habilmente
argumentado por R. C. Trench, op. cit, pp. 132ss. e A. Plummer (op. cit., p. 62)
julga-a uma idéia muito atraente. Mas ela não pode estar correta. O argumento de Plumptre (op. cit., pp. 126ss.) contra essa teoria é decisivo.
d.
R. H. Charles, Revelation
(International Critical Commentary), pp. 66ss., argumenta que a verdadeira fonte do símbolo
se encontra na esfera da superstição popular. Isso nem precisa de resposta. Uma
diversidade de outras explicações pode ser encontrada no The
Speaker's Commentary; art. "Stones" no Dictionary
of the Bible, de Smith, e em outros lugares.
[6]Esse
ponto de
vista (o mais popular deles), é defendido, com variações, por J.
P. Lange, op. cit., p. 120,
que, entretanto, vê a pedra branca como indicando absolvição; por R. C. H.
Lenski, op. cit., p. 113, e
muitos outros.
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