FONTE: Mais Que Vencedores - William Hendriksen
Laodicéia
estava situada nas vizinhanças de águas termais. Emitir água quente da boca era
uma figura que seus cidadãos podiam bem compreender. Uma famosa escola de
medicina cresceu ali, produzindo, entre outras coisas, um remédio para olhos
fracos. Nessa cidade, a macia lã negra das ovelhas do vale era tecida em peças
de roupa. Laodicéia, porém, era mais conhecida por sua riqueza. Localizada na
confluência de três grandes estradas - para certificar-se, consulte um mapa ela
cresceu rapidamente e se transformou num grande centro financeiro e comercial.
Era o lar de muitos milionários. Havia, é claro, teatros, um estádio e um
ginásio equipado com banhos. Era a cidade de banqueiros e financistas. Tão
rica era essa cidade que seus habitantes declinaram receber ajuda do governo
após a cidade ter sido parcialmente destruída por um terremoto.[1]
Os
cidadãos de Laodicéia eram ricos - e sabiam disso! Eles eram insuportáveis.
Mesmo as pessoas da Igreja demonstravam essa atitude orgulhosa, desafiadora e
presunçosa.
Talvez imaginassem que sua riqueza era sinal de algum favor especial de Deus.
A certa altura eles começaram a pensai- que "tinham chegado
lá". Estavam imbuídos do espírito que dominava a cidade. Orgulham-se de
suas riquezas espirituais.[2]
Se os habitantes de Laodicéia tivessem dito o que pensavam, sua linguagem seria
como se segue - ouçam atentamente a um desses insuportáveis jactanciosos que
representa o resto deles: "Estou rico e abastado, e não preciso de
cousa
alguma" (verso 17).
E fácil
ver que essas pessoas não eram perturbadas por qualquer consciência de pecado.
Jamais pensariam em ficar distantes, com olhos tristes e cabeças tombadas,
suspirando e dizendo: "O Deus, sê misericordioso para comigo,
um pecador". Eles haviam "chegado lá"! Conforme seu próprio
modo de pensar, não tinham necessidade de qualquer
admoestação
e podiam ser mornos quanto a qualquer exortação. "Morno" é a palavra.
O povo de Laodicéia sabia exatamente o que isso significava. Morno,
tépido,
lasso, claudicante, tíbio, sempre pronto a se comprometer, indiferente,
desatento: Uma atitude de "somos todos boa gente aqui em Laodicéia".
O autor deste livro se tornou pessoalmente familiarizado com essa atitude da
parte de alguns membros de Igreja. É impossível se fazer qualquer coisa por
essa gente. Com os pagãos, quer dizer, com aqueles que
nunca tiveram contacto com o evangelho e que,
portanto, são "frios" quanto a ele, pode-se fazer alguma coisa. Com
cristãos sinceros e humildes, pode-se trabalhar com alegria. Mas com esses
"somos todos boa gente aqui em Laodicéia", nada há que possa ser
feito. Até mesmo o próprio Cristo não pode suportá-los. Uma emoção, um
sentimento é aqui atribuído ao Senhor que em nenhum outro lugar lhe é atribuído
na Bíblia. Não lemos que ele está ofendido com eles. Nem que ele está irado
contra eles. Não, ele está enojado de tais indecisos. E não apenas levemente enjoado, mas
totalmente nauseado. "Assim, porque és morno, e nem és quente nem frio,
estou pronto a vomitar-te de minha boca." Sabendo muito bem que toda a sua
religião é somente muita simulação e fingimento, muita hipocrisia, o Senhor se
apresenta como o exatamente oposto: "Estas coisas diz a testemunha fiel e
verdadeira". Noutras palavras, o Senhor revela-se aqui como aquele cujos
olhos não somente vêem exatamente o que se passa no coração dessa gente de
Laodicéia, mas cujos lábios também declaram, exatamente, a verdade que vêem.
Ele declara, sobretudo, que ele é "o princípio da criação de Deus",
isto é, a fonte de toda a criação (çf. 21.6; 22.13; Jo 1.1; Cl 1.15-18). "Gente de
Laodicéia, vocês precisam tornar-se novas criaturas: precisam de novos
corações. Tornem-se a mim, portanto, para que sejam salvos."
Embora ele
esteja totalmente enojado dessa igreja porque ela falha em seus
deveres de
portadora da luz, não obstante, há graça aqui: maravilhoso amor cheio de
carinho e admoestação. Cristo, na verdade, não diz: "Irei vomitá-los de minha
boca", mas: "Estou prestes a vomitar-te de minha boca". O Senhor ainda
aguarda. Ele envia essas cartas a fim de retirá-los dessa mornidão espiritual.
E, verdadeiramente, severo na sua condenação exatamente porque ele é manso e
carinhoso, amoroso e gracioso.
A essa
congregação, e, portanto, ao seu membro típico, o Senhor diz: "...pois
dizes:
Estou rico e abastado, e não preciso de cousa alguma, e nem sabes que tu és
infeliz, sim, miserável, pobre, cego e nu". Deve-se notar que não é
"miserável", mas lastimável. Quem é mais lastimável do que um
indivíduo que imagina ser um bom cristão, quando, na realidade, o próprio Cristo
está sumamente enojado dele? Leia essas palavras lentamente e tente ver a
figura de um indivíduo que tenha estas cinco características combinadas:
vileza,
mesquinhez, bajulação servil, cegueira e nudez!
"Aconselho-te."
Quão suave ele fala - não "ordeno-te", mas "aconselho-te".
Cristo aconselha essa igreja a comprar dele - o "de mim" é bastante
enfático - ouro refinado pelo fogo, vestes brancas e colírio. Em poucas
palavras: "compre salvação", pois a salvação é ouro que enriquece (2
Co 8.9); é veste branca que cobre a nudez ou nossa culpa e reveste-nos com
justiça, santidade e alegria no Senhor; é colírio que, quando possuído, não
mais nos deixa cegos. A salvação tem de ser comprada, isto é, precisamos obter
a justa posse dela. Mas como podem, aqueles que são pobres, e tudo o mais,
comprar qualquer coisa? Leia Isaías 55.1ss. e você terá uma
resposta!
Há algo
mais maravilhoso em toda a Bíblia do que isso, que a essa gente morna com que o
Senhor está tão desgostoso a ponto de vomitá-los de sua
boca, ele se dirija com estas palavras: "Eu repreendo e disciplino a
quantos amo. Sê, pois, zeloso e arrepende-te.
Eis que estou à porta e bato..."
Observe
que o Senhor está instando para que a porta seja aberta. Não apenas isso, mas -
como fica evidente no próximo verso - ele mesmo é quem está batendo repetidas
vezes e chamando o pecador. Note a frase "se alguém ouvir a minha
voz". Não é a pessoa no interior que toma a iniciativa. Não, esse texto
está em total harmonia com a Bíblia toda nos ensinamentos concernentes à graça
soberana. É o Senhor que está à porta, ou contra a porta - ninguém o chamou -
batendo, não uma, mas repetidas vezes: é ele quem chama, e sua voz no evangelho
aplicado ao coração pelo Espírito é o poder de Deus para a salvação. Dessa
forma, essa passagem faz justiça tanto à graça divina soberana quanto à
responsabilidade humana.[3]
"Se
alguém ouvir a minha voz, e abrir a porta, entrarei em sua casa e cearei com
ele, e ele comigo." Observe que ele diz "se alguém..."; o Senhor
dirige-se a indivíduos. A salvação é uma coisa muito pessoal; quando o coração
é aberto pela voz do Senhor, esse princípio de regeneração se torna ativo para
que, pelo Espírito Santo, o indivíduo regenerado abra a porta e receba a
Cristo. O abrir da porta é o que, geralmente, é chamado de conversão. Não
confunda
regeneração (Jo 3.3ss.; At 16.4) com conversão. Aqui, na expressão: "Se
alguém abrir a porta", a referência é feita à conversão, ao arrependimento
e à fé em Cristo, como o contexto claramente indica. O Senhor entra (Jo 14.23).
Que maravilha! Ele desce do trono de sua glória a fim de cear com esse
indivíduo que, em si mesmo, é pobre e desprezível.
Cristo e o
crente ceiam juntos, o que no Oriente é uma indicação de especial amizade e de
uma aliança de comunhão. Noutras palavras, o crente tem uma abençoada comunhão
com seu Salvador e Senhor (Jo 14.23; 15.5; 1 Jo 2.24). Essa comunhão começa
aqui e agora, na presente vida. E aperfeiçoada na vida por vir quando o
vencedor se assentará com Cristo no seu trono, assim como Cristo, o Vencedor,
está assentado com seu Pai, em seu trono. O vencedor não somente reinará, mas
reinará com Cristo (Ap 20.4), na mais íntima comunhão com ele.
"Aquele
que tem ouvidos, ouça o que o Espírito diz às igrejas."
A condição
sétupla dessas igrejas existe, presentemente, ao mesmo tempo. Existe hoje. Tem
existido durante este período. Essas sete igrejas representam a Igreja toda
durante toda esta dispensação. E grandemente evidente que uma questão importante
seja esta: são essas igrejas fiéis à sua vocação? Apegam-se elas, firmes e
diligentes, no nome do Senhor no meio das trevas deste mundo (Ap 1.20)? Noutras
palavras, são elas candeeiros, portadoras de luz? Em Sardes e em
Laodicéia
o mundo parece ter triunfado. Vemos apenas uma tênue e bruxuleante chama; a luz
está quase - mas não totalmente - apagada. Em Éfeso a luz ainda brilha, mas a
chama está diminuindo. Em Pérgamo e em Tiatira, onde a tentação vinda da parte
do mundo era intensa, a luz brilha, mas não tão forte quanto deveria ser. Em
Esmirna e em Filadélfia, o verdadeiro caráter da Igreja como portadora da luz é
revelado e ali se pode encontrar fidelidade a Cristo; portanto, exerce sobre o
mundo uma influência benéfica. E essa Igreja uma portadora de luz? Essa é a
maior questão em todas as cartas do Apocalipse. Ela é fiel ao Senhor no meio do
mundo?
A tentação
de tornar-se mundana e de negar a Cristo vem de três direções.[4]
Primeiro, da parte da perseguição anticristã, a espada, as feras selvagens, a
fogueira, a prisão (2.10,13; 2.9; 3.9) e os judeus que constantemente acusavam
os cristãos diante das cortes romanas. Segundo, e intimamente relacionado ao
primeiro, da parte da religião romana, o culto ao imperador (2.13). A primeira
fonte de tentação não pode ser separada da segunda. Terceiro, há a tentação da
carne: o constante apelo a juntar-se às festas imorais dos
pagãos a
fim de assegurar a posição social e para usufruir os prazeres do mundo. E essa
forma de tentação se relaciona à segunda, a forma religiosa. A Igreja está no
mundo. Isso era verdade na época. Ela ainda está no mundo hoje. A Igreja deve
brilhar nas trevas.
"Vós
sois a luz do mundo - e os sete candeeiros são as sete igrejas."
[1]Ibid., pp. 413-423. Ver também W. J.
McKnigth, art. já citado, pp. 5l9ss.
[2]E ponto de vista mantido por
quase todos os comentaristas que eles se jactavam de sua riqueza espiritual e
não, primariamente, de suas posses materiais. W.
Milligan, contudo,
defende um ponto de vista oposto.
[3]É claro que o homem, não Deus,
é aqui representado abrindo a porta. O homem se
arrepende. A abertura da porta, então, refere-se à
conversão, e não pode se referir à regeneração, a qual é totalmente uma obra de
Deus. Na conversão, o homem tem parte ativa.